Roleta do nascimento
Paulo Metri – conselheiro do Clube de Engenharia
Eu, como muitos brasileiros, sou descendente de
estrangeiros. No meu caso, tenho ascendência inglesa e libanesa. Mas tenho
também brasileiros na minha genealogia. Todos tinham em comum serem da classe
média. Nenhum no grupo da pobreza, nem tampouco nenhum milionário.
Nasci branco, tive alimento e carinho enquanto criança.
Lembro-me de ter vivido uma infância feliz. Recebi instrução em escola privada
e consegui entrar em uma universidade privada. Meu pai fazia questão de pagar
escola, se necessário fosse, para mim e meu irmão.
Um parêntese. Meu pai era de João Pessoa, na Paraíba.
Bem jovem, não possuía o chamado “pistolão”. Nesta mesma época, Getúlio Vargas
implantou a regra que a entrada no serviço público federal só poderia ocorrer
por concurso. Logo depois, foi publicado o edital do concurso para a carreira de
“Fiscal do Imposto de Consumo e do Selo”, que hoje é conhecida como de “Auditor
Fiscal”. Ele concorreu e passou. De posse de maior renda e tendo conhecido
minha mãe, resolveram se casar. Por isso, costumo dizer que sou consequência da
aplicação de uma política pública por Getulio Vargas. Fecho o parêntese.
Depois, continuei com minha vida, fiz mestrado, casei,
trabalhei, tive filhos, troquei de emprego, viajei e fiz tudo mais que muitos
fazem. Vivo escrevendo porque é uma atividade que me dá prazer. Por tudo isso, posso
dizer que tive muita sorte na vida.
Às vezes, me surpreendo elucubrando. E se eu tivesse
nascido negro? E se tivesse nascido em uma família pobre? E se minha mãe não
conseguisse vaga para mim em uma escola pública? E se meu pai não tivesse
passado no concurso e tivesse dificuldade em conseguir emprego? Enfim, e se eu
tivesse tido a vida que sobrou para muitos brasileiros?
Neste instante, choro pelo sofrimento humano. O que
eles fizeram para merecer tanto sofrimento? Só porque nasceram no “grupo
errado”? Só porque nasceram com a cor da pele negra? Só porque não conseguiram
receber instrução quando crianças? Só porque o governante insensível quer criar
um exército de desempregados para o custo da mão de obra não diminuir o lucro
já exorbitante dos donos do capital? Só porque os que têm muita ganância não
sabem conter sua tara? Mesmo que saibam que ela causa a fome e a desgraça de
muitos.
Enquanto isso, no nosso país, um cidadão, sem usar
arma alguma, só com o uso do diálogo, consegue o milagre de diminuir o
sofrimento dos mais vulneráveis da sociedade. Com este feito, ele consegue
atrair o ódio para a sua pessoa, porque mostra que outra vida é possível. A
meta da elite insensível, em vez de ser a busca da cura da sua sociopatia, é a busca
de formas de incriminar este cidadão. Através de notícias mentirosas? Com
cargas excessivas de mídia tendenciosa? Com a colaboração de um juiz injusto? Com
todas estas opções, juntas?
Aí, o mundo passa a ficar estranho. Não há
racionalidade política. Não se deseja a conciliação, a convergência e o
entendimento. Quer-se o confronto. Por
exemplo, os amantes da tortura dos mais frágeis querem prender quem for
condenado em segunda instancia, mesmo que as condenações em primeira e segunda
instância tenham sido decididas por juízes injustos. Aliás, este é o caso exato
que prova porque não se deve encarcerar logo após a condenação de segunda
instância.
Havendo a possibilidade de existirem juízes injustos,
deve-se aumentar o número de instâncias julgadoras, para não se encarcerar um
inocente. E, segundo nossa pobre Constituição, tão afrontada de uns anos para
cá, enquanto todos os recursos não forem julgados, ninguém pode ser considerado
culpado.
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