Forças Armadas desejadas
Paulo
Metri
Encarecidamente, não
digamos que “o Brasil não precisa de
Forças Armadas, que só servem para tramar golpes e derrubar governos
democraticamente eleitos”. Não somos uma Suíça, que possui um pequeno território
e, consequentemente, poucos recursos naturais sendo cobiçados.
Elas devem ser planejadas
em acordo com a nossa sociedade para serem as Forças Armadas brasileiras. Como
tal, é desejado que sejam forças de defesa e, não, de ataque, se bem que equipamentos
de defesa podem ser também usados para o ataque. Como e quando elas serão usadas
deverá ocorrer por escolha das forças políticas que estão no comando do país,
representando o povo, do que por escolha dos próprios militares.
Elas não devem também
servir como agentes impositores da lei e da ordem, a menos que sejam
solicitadas para tal por um dos três poderes do Estado, como rege a
Constituição. Inclusive, os militares não devem ser os julgadores da
necessidade de intervenção para garantir a lei e a ordem. Neste contexto, não
devem servir como polícia política do governo de plantão, mesmo que sua
oficialidade se identifique com ele, lembrando sempre que o verdadeiro grande inimigo,
possuidor de poderio militar, que precisará ser eventualmente confrontado, “está lá fora”.
Reconhece-se que
existem, às vezes, interesses políticos internos contrários à harmonia da
sociedade, que devem ser combatidos politicamente. Trata-se, por exemplo, do
caso de grupos neonazistas querendo ter o controle, a qualquer custo, do país. Se
as polícias não conseguirem conter os exaltados e radicais destas forças e havendo
solicitação de um dos três poderes, as Forças Armadas deverão garantir a lei e
a ordem.
Partamos do
princípio que temos o povo brasileiro com alta compreensão política e vamos
escolher nossas Forças Armadas. O contingente delas pode ser mínimo, até porque
elas não irão ter a tradicional necessidade de ocupação física de territórios. Elas
precisarão, para manter a posse e a integridade de áreas, além da expansão
econômica e populacional desejável, de equipamentos com alto conteúdo
tecnológico. Então, as tecnologias de satélites, aviões, mísseis, drones,
submarinos nucleares, carros de combate e outras serão indispensáveis. Isto
graças à grande extensão territorial do Brasil, inclusive do seu mar, e às suas
riquezas naturais espalhadas por toda essa área.
As Forças Armadas brasileiras
fazem, atualmente, grande esforço de desenvolvimento tecnológico para vencer o atraso
existente em relação às forças de países desenvolvidos, o que é meritório.
Notar que, com relação a equipamentos tecnológicos militares, nenhum país
conseguirá comprar o equipamento mais recente, pois este é reservado ao país
que o desenvolveu.
Com isto, ocorre que
os países em atraso tecnológico são obrigados a fazer grande esforço de
atualização, buscando não ficarem em dependência. Isto aconteceu, por exemplo,
com o enriquecimento de uranio que, para existirem usinas nucleares no país,
alguns grupos propunham a compra do elemento combustível nuclear do exterior.
No entanto, brasileiros nacionalistas da Marinha e do IPEN desenvolveram no
país o processo da ultracentrifugação não criando dependência tecnológica e
mostrando capacidade de desenvolver tecnologia. Não é à toa o fato que foi
noticiado pela mídia com vínculos externos, que houve corrupção neste êxito
tecnológico.
Mudando a linha de
argumentação, no mundo atual, existem a concentração da comunicação de massas
em poucos grupos de mídia ligados a grupos econômicos, a competição de
narrativas, as “fake news”, as
guerras híbridas e outros conceitos. Não pretendo analisá-los, apesar de não
negar suas importâncias. Pretendo me concentrar na busca das razões do
pensamento das nossas Forças Armadas ser, de longa data, conservador.
Para tal, atenho-me
à oficialidade das nossas Forças Armadas, que é quem detém cargos de comando nestas
Forças. Este contingente humano é proveniente da nossa sociedade, portanto, recebe
a mesma carga inicial cultural, histórica, de costumes e genética de todos os
brasileiros.
Estes oficiais vêm
basicamente da classe média, uma vez que os ricos não acham a carreira militar atrativa
e os pobres, com exceções, não conseguem passar no exame para ingressar nas
Academias Militares, pois não têm recursos para frequentar bons cursos
preparatórios, nem tempo para estudar. Então, nossos oficiais são muito
influenciados pela visão e compreensão de mundo da classe média.
As Academias Militares têm um papel muito relevante
na formação dos oficiais. Elas precisam formar aqueles que serão os guardiões
das armas da sociedade e que deverão só usá-las para defendê-la de inimigos
externos e, nunca, contra a própria sociedade. Para eventuais confrontos
internos, existem as Polícias. Então, nas Academias, a “brasilidade”, o amor pela sociedade brasileira, deveria ser
transmitida e, assim, o cadete, assimilaria o dever de ser, também, responsável
pelo bem-estar da sociedade, através do seu profissionalismo. Sei que isto é
difícil de ser transmitido.
Contudo, há uma
concentração de conservadores dentre os formandos destas Academias, acima da
média da população, o que me leva a especular que, hoje, os concursos para as
Academias Militares e, depois, o próprio ensino ministrado por elas, ceifam a
pluralidade de posicionamentos humanos da sociedade. Currículos e professores
avivam a visão conservadora dentre os cadetes, perpetuando este pensamento nas
gerações militares.
As escolhas das
“hipóteses de guerra” têm sido as maiores afirmações do conservadorismo das nossas
Forças. Achar que a Venezuela irá ser nossa adversária em uma guerra futura não
faz o menor sentido. Assim como, não faz sentido imaginar que os integrantes do
MST vão se tornar guerrilheiros. Faz sentido para mim, por exemplo, a invasão
de Forças estrangeiras ou de mercenários na Amazônia com interesse nas riquezas
da região ou a busca da apropriação de campos do Pré-Sal também por Forças
estrangeiras.
É extremamente reprovável
que oficiais das Forças Armadas usem as armas para impor um governo totalitário
aos que deveriam proteger. É dito que o poder corrompe, entretanto, a formação
militar deveria, de alguma forma, vacinar o cadete para ele desejar ser,
somente, o defensor da sociedade. Certamente, o currículo da formação a ser
transferida e a pedagogia desta transferência nas Academias precisam ser
repensadas.
O comando da Nação já
foi definido em 1988 e se dá através de uma arquitetura de repartição do poder
por três forças que se complementam, estando tudo descrito na Constituição. A
missão de dissuasão de inimigos externos é, por si só, já grandiosa demais e
requer muita iniciativa e perseverança para defender um país do tamanho do
Brasil, com os recursos naturais que possui e com, hoje, parcos recursos
financeiros e tecnológicos.
Os militares e os
civis de diversas profissões são corporativistas, acima do que pode ser
considerado como benéfico. A rígida hierarquia militar, vista por alguns como
um erro, não é. Não há “democracia” dentro de nenhuma instituição militar do
mundo. Se alguém acha que a hipótese de ocorrer uma guerra, na qual o Brasil
esteja envolvido, não é uma opção verdadeira, deve se habituar com a ideia que,
na História, a paz representa a situação instável e a guerra, a estável.
A possibilidade de
cooptação de elementos das nossas Forças Armadas por entidades nacionais ou
estrangeiras é uma questão bastante delicada. Obviamente, o inimigo irá dissimular
bem a busca de cooptação. Oficiais brasileiros seriam convidados a participar
de reuniões de trabalho, operações conjuntas, cursos na Academia de outro país,
celebrações, entrevistas e outros eventos. Enfim, é preciso ter cuidado ao
aceitar convites, porque a tentativa de cooptação será sempre bem dissimulada. Este
ardil pode envolver até poderes da Republica acima das Instituições Militares.
O cooptador, na
hipótese interna, pode ser a classe que domina economicamente a sociedade
brasileira. Em ambos os casos, a nossa oficialidade, se consciente dos seus compromissos,
será um obstáculo para os ardilosos que desejam manter a nossa sociedade
dominada.
Não existirá
soberania nacional, o Estado brasileiro não poderá assumir posições
nacionalistas e o Brasil só será respeitado se várias categorias e grupos
políticos respaldarem as posições tomadas pelos governos, como representantes da
sociedade brasileira. Uma das mais importantes destas forças apoiadoras são as
Forças Armadas.
Plagiando o
estadista francês Georges Clemenceau que disse que “a guerra é um negócio muito importante para ser deixada para os
generais”, digo que “a preparação
para uma eventual guerra ou a demonstração constante da Soberania nacional é um
negócio muito importante para serem deixadas para profissionais com pouco amor à
sociedade brasileira”.
Paulo
Metri é conselheiro do Clube de Engenharia