26 outubro 2019

O que é roubo, afinal?

Paulo Metri
Temos um conceito impreciso do que é roubo. Quando um assaltante força a entrega da sua carteira com um argumento infalível, do tipo “se não passar a carteira, lhe dou um tiro”, todos concordam que isto é um roubo.
Quando o açougueiro está pesando a carne escolhida por um cliente e esquece, displicentemente, a ponta da faca que está em sua mão, na beira do prato da balança, impulsionando-o para dar um peso maior, é um roubo disfarçado.
Quando o dono de uma loja comercial dá instrução aos funcionários que ficam nos caixas para só darem a nota fiscal se o cliente a exigir, ainda temos claramente um roubo.
Um político, que se elege com um discurso e, depois de eleito, não cumpre as suas promessas de campanha, rouba o futuro prometido por ele e almejado pelo povo.
Superfaturar obras públicas para o recurso adicionado chegar na conta dos ladrões, em geral políticos, é roubo também.
O presidente Temer propôs uma medida provisória e colocou sua base de apoio parlamentar para aprová-la, que significou uma renuncia de tributos federais, que seriam cobrados das empresas petrolíferas, totalizando um trilhão de reais em cerca de 30 anos. Sabe-se que estas empresas teriam capacidade de pagamento.
Por outro lado, na lei da previdência, Bolsonaro tirou arrecadação de quem não podia pagar. Estas duas últimas citações são exemplos de roubos institucionalizados.
Alguns empresários pagam salários abaixo dos de mercado para todas as classes de trabalhadores da sua empresa. Não concordam com a tese da responsabilidade social das empresas, constante da Constituição Federal. Não seria o roubo da esperança de um mundo melhor, mais fraterno?
Disseminar “fake news”, principalmente com interesses políticos eleitorais, não seria um roubo da informação correta?
Warren Buffett, bilionário norte americano, ao ser indagado sobre a existência da luta de classes, respondeu algo como: “Existe, sim. Nós vencemos!” Um grupo minoritário ser o vencedor da luta pela apropriação da riqueza gerada pelo trabalho humano não seria graças ao roubo da igualdade de oportunidades e de condições idênticas para o crescimento?
Por isso, fico triste quando amigos me dizem: “o governo do PT foi o mais corrupto que o país já teve!” Até porque esta pessoa pensa que sabe o quanto cada governo roubou.

13 outubro 2019

Não queira viver em um país com crise de abastecimento de petróleo marcada para acontecer

Paulo Metri – conselheiro do Clube de Engenharia

           A cláusula 13.7, relativa ao “Abastecimento do Mercado Nacional”, mostrada a seguir, foi obtida dos dois modelos de contrato (consórcios sendo operados pela Petrobras ou não) a serem assinados entre a ANP e as ganhadoras das licitações sobre o excedente da cessão onerosa.
          “13.7.          Em situações de emergência que possam colocar em risco o abastecimento nacional de Petróleo e Gás Natural, bem como de seus derivados, a ANP poderá determinar ao Contratado que limite suas exportações destes hidrocarbonetos.”
“13.7.1.        Considera-se situação de emergência aquela assim decretada pelo Presidente da República.”
“13.7.2.        A parcela da Produção com exportação limitada deverá ser direcionada ao atendimento do mercado brasileiro ou à composição de estoques estratégicos para o País.”
“13.7.3.        A ANP notificará o Contratado quanto à limitação das exportações com antecedência mínima de 30 (trinta) dias.”
“13.7.4.        A parcela da Produção sobre a qual incidir a restrição à livre disposição será, a cada mês, determinada em relação à proporção da participação do Contratado na Produção nacional de Petróleo e Gás Natural relativa ao mês imediatamente anterior.”
(...)
Considerando que, se existirem reservas razoáveis de petróleo no subsolo do Brasil, estas devem garantir a independência ao suprimento externo por, no mínimo, uns 30 anos. Esta independência é aconselhável por se estar falando de um contrato com validade de 35 anos, período no qual, não só o petróleo pode se tornar escasso no mundo, como interesses geopolíticos poderão tornar sua comercialização difícil.
Implícito está que a garantia citada será a preços razoáveis e, não, a preços abusivos, que poderão ser encontrados, no futuro mencionado no mercado internacional.
O mais correto seria a contratação de estudo junto a uma entidade não envolvida diretamente com a licitação, visando obter na literatura específica a expectativa de reservas de petróleo do Brasil e do mundo nos próximos 35 anos, a demanda de petróleo do Brasil e do mundo no período e as exportações esperadas de petróleo do Brasil no período. De posse destes dados e com operações aritméticas simples, saberemos quando começará a escassez interna.
A Cláusula 13.7 dos modelos de contrato citados só se preocupa com o abastecimento imediato, quando a escassez já está acontecendo, e não fala sobre o preço do suprimento coercitivo, o que nos leva a concluir que será o preço vigente na época no mercado internacional. O contrato não proíbe que o petróleo que será necessário em 2050, por exemplo, seja exportado em parcelas, desde o ano de 2020 ao de 2049. E isto pode acontecer com a demanda de petróleo de uma série de anos, como as demandas a partir de 2035, por exemplo.
Cláusulas idênticas à 13.7 sempre existiram em todos os contratos de rodadas anteriores. O que há de novo, hoje, é que nossos governantes falam da privatização da Petrobras, possivelmente para alguma empresa estrangeira. Neste ramo, não existem empresas privadas brasileiras de porte. Assim, no futuro, não é garantido que alguma empresa atuante no Brasil irá garantir o abastecimento do país. Existe nos contratos liberdade total para a empresa mandar o petróleo por ela produzido para o destino que escolher, a menos do que reza a cláusula 13.7.
De passagem, este é um argumento que prova a essencialidade da Petrobras estatal. Aliás, ela é essencial, não só por garantir o abastecimento, mas também porque é a petroleira que mais compra no país, inclusive plataforma, é quem contrata engenharia e desenvolvimento tecnológico aqui, é a que mais emprega brasileiro, é quem descobre petróleo no Brasil, é quem ganha prêmios da OTC, é a descobridora do Pré-Sal, é um instrumento à disposição dos governos para aplicação de políticas públicas, que investe muito em cultura e esporte, enfim, ela é a empresa que faz tudo que a empresa privada, que a comprar, não fará.
Então, resta a nós, brasileiros em momento de convulsão política e involução social nos precavermos agora ou participarmos de leilões futuros de barris de petróleo, que será o mercado internacional, e vermos o país desabastecido, desprotegido.